Por que eu, como médico, escuto cada vez mais e acho que ODEIO cada vez mais a expressão “equilíbrio na vida”
- Daniel Deggerone
- 1 de jan.
- 4 min de leitura
Calma, me deixa explicar isso um pouco melhor
Eu tenho cada vez mais receio dessa expressão porque ela engana muitas pessoas a acreditar que vão atingir algo, mas acabam atingindo um algo bem diferente, especialmente no contexto da medicina.
“Como assim?”
Eu acho que nossas vidas não deveriam ser equilibradas, pelo menos não da forma como naturalmente pensamos que deveria.
Vocês acham que uma pessoa é aprovada em um concurso difícil usando “equilíbrio?’ Não, não é.
Eu fui aprovado em alguns concursos difíceis e em nenhum deles eu fui “equilibrado”. Nenhum, mesmo.
Muitas pessoas próximas a mim, mais inteligentes do que eu, mas que não queriam sacrificar algumas coisas, nunca atingiram aquilo que mais desejavam.
Não atingiram porque lutaram mais para manter o “equilíbrio” do que para alcançar a tão sonhada meta.
Equilíbrio na hora de dormir.
Equilíbrio na hora de acordar.
Equilíbrio no tempo com amigos e familiares
Equilíbrio nas horas que se podia estudar sem ficar muito cansado..
Equilíbrio na hora de se divertir.
Tudo perfeitamente equilibrado, mas o grande sonho nunca atingido.
Residência médica. Equilíbrio?
Obter um doutorado. Equilíbrio?
Escrever um livro. Equilíbrio?
Se destacar em algum esporte. Equilíbrio?
Aprender a transplantar um coração. Equilíbrio?
Vocês realmente pensam que uma mãe dá à luz a um filho e ajuda nos seus primeiros momentos de vida através do equilíbrio com a vida profissional, com o lazer e com a vida afetiva em torno do seu parceiro? Não. Não é assim. Naquele momento é o filho ou filha e mais nada. O trabalho e o marido que se lasquem. E esta me parece ser a forma mais CORRETA e ADEQUADA mesmo.
É assim que a humanidade sobreviveu e prosperou por centenas de anos, mesmo antes da invenção dos terapeutas profissionais, dos antidepressivos e dos ansiolíticos.
Acho que algumas pessoas mais jovens na medicina caem na cilada de achar que a vida precisa ser equilibrada, o tempo inteiro, desde o início e para sempre ou estariam “vivendo errado”.
Ninguém quer sacrificar mais nada em momento algum.
Bem, a grande ironia aqui é que ao lutar para não sacrificar nada em nenhum momento a pessoa acaba, justamente, sacrificando TUDO.
Sacrificam um trabalho melhor que seria conseguido alí na frente, sacrificam uma vida financeira melhor alguns poucos anos depois, sacrificam um relacionamento que poderia ser longevo porque a única coisa que deveria existir, todos os dias, é o “equilíbrio”, o tempo todo ou estaríamos “vivendo errado”
Minutos iguais destinados ao trabalho, ao amor da sua vida, ao lazer e ao descanso. Sempre.
“Ah, Daniel, tu é um idiota mesmo. Pensar da sua só forma só leva ao burnout e ao desgaste completo da pessoa”
Bem, posso, então, introduzir um novo conceito, que poucos conhecem?
É o conceito de “temporadas na vida”
“Como assim?”
Na verdade, eu acredito, SIM, em equilíbrio na vida, mas não da forma que normalmente enxergamos.
Ao meu ver, a visão “normal” de equilíbrio é uma sina dos nossos tempos: míope, imediatista, impaciente e ansiosa. Quer tudo pra ontem.
Eu acho que devemos, SIM, buscar equilíbrio na vida, só que o horizonte de contemplação deveria ser MUITO mais longo.
É possível ter uma vida equilibrada, mas ela vai exigir alguns períodos - OU TEMPORADAS - de intenso DESEQUILÍBRIO.
Você é jovem e deseja ser aprovado em uma boa universidade? Você vai desequilibrar sua vida inteira em torno do estudo naquele momento.
Você está começando sua carreira na medicina e quer se destacar e construir sua segurança financeira? Você vai desequilibrar sua vida em torno disso neste momento.
Você já tem um bom trabalho e ganha bem? Desequilibre sua vida em torno de construir um bom relacionamento afetivo se é isso que deseja agora.
Você já tem um bom trabalho, um bom dinheiro, uma parceira ou parceiro interessante e quer ter um filho? Desequilibre sua vida em torno de dedicar o tempo adequado para construir uma família.
Cada um desses momentos é uma “temporada” diferente da vida.
Em cada uma delas você foi bastante desequilibrado, mas ao longo de décadas - que é o tempo que normalmente costumamos ficar vivos - sua vida vai ser perfeitamente equilibrada.
Um bom trabalho, segurança financeira, um bom relacionamento afetivo, um período decente de dedicação para criação dos filhos.
Todos obtidos ao seu tempo, mas na melhor forma possível.
Já o cenário oposto, que é vendido por aí da forma mais superficial e barata possível, leva as pessoas a achar que devem construir uma ótima carreira, ganhar bastante dinheiro, ser um bom parceiro/parceiro, uma ótima mãe ou pai de família e viajar o mundo inteirinho, tudo ao mesmo tempo, sem sacrificar nada em momento algum.
Todos os ingredientes da vida precisam estar presentes ao mesmo tempo, na mesma intensidade, para a vida ser considerada “boa”
Bem, qual o resultado aqui?
Um trabalho que a pessoa odeia, vivendo sem um pila furado no bolso, em um relacionamento afetivo desastroso e um estranho na vida dos filhos. Tudo perfeitamente equilibrado.
TUDO UMA MERDA IGUAL
Resumo da ópera: desejem equilíbrio em suas vidas, mas ampliem MUITO o horizonte de obtenção desse bendito equilíbrio. Equilíbrio na vida é algo para ser obtido ao longo de décadas, não alguma coisa que você organiza no calendário do Google ao iniciar cada semana.
Existe um grande ditado que diz o seguinte:
“Você pode ser tudo o que quiser, mas não tudo ao mesmo tempo”
As nossas vidas precisam ser equilibradas. Vejam bem: VIDAS. Não as nossas semanas, meses ou mesmo anos.VIDAS.
Acho que muitas pessoas acabam sofrendo muito mais por achar que deveriam ter mais equilíbrio, quanto, talvez, naquele momento particular da vida, equilíbrio é a última coisa sendo necessitada.
Ao entender isso, não é o burnout que acontece, mas justamente o contrário disso, um aumento da motivação e da resiliência pessoal para a conquista de grandes objetivos.
Talvez você apenas esteja enxergando “ equilíbrio” da maneira errada, com um horizonte curto demais,
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